sábado, 18 de agosto de 2012

Velhice

Ele permaneceu na cama até o anoitecer. Percebeu a cor do céu mudar e o tempo abafando as vozes das mulheres e o riso das crianças.
O quarto estava embalado pelo suave movimento na poeira. Havia no ar um cheiro de naftalina e coisas velhas guardadas há muito tempo, como em seu coração. Pensou que fosse chorar. Não chorou. Passou as mãos pelas rugas em seu rosto enrugado enquanto tentava se lembrar dos bons momentos de sua vida. Não foi capaz. Nenhuma das marcas em seu rosto ou das cicatrizes em suas mãos significavam algo. Ele mal conseguia se lembrar se algum dia o fizeram. Pensou em sua falecida esposa, em seu filho que não via há anos. Nada. Nem uma emoção, nem uma batida mais rápida do seu coração cansado e doente. Ele também se sentiu muito cansado e doente.
Enquanto seus dedos trêmulos lutavam para acender o isqueiro ele percebeu que estava calmo.  Pensou que então veria "toda sua vida passando diante dos seus olhos" como diziam nos filmes. Mas quando o fogo queimou o colchão, o quarto e o corpo do velho, ele não viu nada além de uma intensa e infinta escuridão.