sábado, 18 de agosto de 2012

Velhice

Ele permaneceu na cama até o anoitecer. Percebeu a cor do céu mudar e o tempo abafando as vozes das mulheres e o riso das crianças.
O quarto estava embalado pelo suave movimento na poeira. Havia no ar um cheiro de naftalina e coisas velhas guardadas há muito tempo, como em seu coração. Pensou que fosse chorar. Não chorou. Passou as mãos pelas rugas em seu rosto enrugado enquanto tentava se lembrar dos bons momentos de sua vida. Não foi capaz. Nenhuma das marcas em seu rosto ou das cicatrizes em suas mãos significavam algo. Ele mal conseguia se lembrar se algum dia o fizeram. Pensou em sua falecida esposa, em seu filho que não via há anos. Nada. Nem uma emoção, nem uma batida mais rápida do seu coração cansado e doente. Ele também se sentiu muito cansado e doente.
Enquanto seus dedos trêmulos lutavam para acender o isqueiro ele percebeu que estava calmo.  Pensou que então veria "toda sua vida passando diante dos seus olhos" como diziam nos filmes. Mas quando o fogo queimou o colchão, o quarto e o corpo do velho, ele não viu nada além de uma intensa e infinta escuridão.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Antíteses

Como um poema elaborado, confuso e melancólico, passam entre meus dedos os dias.
Sorrio enquanto choro.
Canto enquanto grito.
Meu coração pulsa com mais intensidade, meus joelhos lutam para não falhar no árduo trabalho de manter um corpo inerte se movendo.

Amarga antítese!

Paro à medida que corro.
Cresço à medida que diminuo.
Vivo à medida que morro.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Epifania.

Subitamente sinto-me leve.
Não há nada que me prenda ao chão. Do meu corpo, restam apenas lembranças.
Toda a dor que sinto não me pertence, esvai-se, não sem antes apertar-me o peito com um nó, que assim como eu, torna-se leve de repente.
Percebo então. Há um tempo em que nada mais importa, a não ser o amor.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Impulsos

Sentir frio sob o sol é zombaria.
Deixar-se levar quando não devia.
Um dia alegre em solidão, sufoco, comoção.
Alegria em dia frio é ironia.
Impulso é falta de razão.

domingo, 18 de abril de 2010

Sentindo:

Os nomes, as fotos, as palavras.
A saudade.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Para não ler.

Para não ler o que se rabisca no caderno, fechar os olhos.
Para dissimular o que o olhar tenta esconder, sorrir.
Para não desejar o que preferiu omitir, esquecer.
Para sorrir, para esconder, para falar, calar, mentir, distrair: um poema.
Para não ler.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sol.

A hora mais esperada havia chegado.
Ele estava sentado no chão como um índio, esperando o Sol se por.
Não iria demorar muito, mas ele não se importaria em viver um êxtase de por-do-Sol para sempre.
Quando o céu se encheu de uma luz amarelo-alaranjada, Ele não estava com ninguém que amasse. Tampouco estava sozinho. Havia pessoas por todos os lados, rodeado de desconhecidos.
Não era uma foto, não se tratava de uma cena de filme, nem se aproximava de perfeição. E Ele sabia.
Tudo era um ínfimo momento da vida, e de Sol. Seu momento de Sol.
Nos poucos segundos que este precisou para sumir de vez no horizonte, ele pôde sofrer e sorrir e sentir.
O Sol levou consigo tudo que Ele entregava a seus raios fracos. Levava-o lentamente.
Então Ele se deu conta de que existia.
No momento seguinte, já não havia tanta certeza. Nem Sol.